Comunistas
e fascistas: o Papa explica
Henrique Raposo
Expresso Quarta
feira, 17 de julho de 2013
Na sua primeira encíclica (Lumen Fidei), Francisco I seguiu a
herança central do seu antecessor, isto é, atacou de frente a arrogância do
racionalismo que julga possuir a capacidade de autonomizar o homem em relação a
qualquer ética transcendente, em relação a qualquer exigência exterior ao
"eu" moderninho e pós-moderninho. Numa atmosfera cultural saturada de
imanência (decretos legais e sentenças científicas chovem todos os dias),
Francisco I escreveu aquilo que tinha de escrever enquanto líder da Igreja:
existe uma transcendência acima do aqui e agora, acima das leis, acima da
ciência. Sim, transcendência. Sim, Deus. Se tiverem problemas com a palavra Deus, usem a expressão Direito
Natural para disfarçar o incómodo. O Direito Natural é
a pastilha Rennie da teologia.
O pensamento clássico presente nesta encíclica não é um comunicado
interno para os claustros. É uma interpelação para o exterior, para a Cidade.
É, aliás, uma aula de história e de filosofia. Explico porquê. Na esfera
moral, um racionalismo sem qualquer noção
de transcendência acaba por fazer coisas imorais ; deixada sozinha no galinheiro, a
ciência pode cair num poço sem fundo, basta pensar na fronteira da
genética . Na esfera
política, uma razão meramente mecânica aceita de forma acrítica aquilo que
existe, revelando a incapacidade positivista para desafiar a realidade.
Exemplos? Positivistas do início do século XX diziam que a legitimidade de um
regime não depende da sua moral mas da sua sobrevivência. Se sobreviver durante
muito tempo, fica provado que regime x é legítimo. A Coreia do Norte é, portanto,
legítima. Bonito, ah? E deveras científico. Mais exemplos? O direito português
é insuportavelmente positivista. Foi, é e continuará a ser uma escolinha de
gestão jurídica daquilo que existe. Pior: o comentário político que
nasceu nesta tradição de direito, o comentário à Marcelo, é uma mera gestão do
status quo, sem qualquer proposta de mudança normativa . Esta é a parte da filosofia. Falta a
parte da história.
Qual foi o erro desta modernidade cafeinada? Ao rejeitar a transcendência do Direito Natural, assumiu-se que o direito só podia ser positivo, assumiu-se que a noção de justiça só podia ser determinada pela vontade política. Um erro evidente: os homens falam recorrentemente em "leis injustas" e este julgamento parte sempre - explícita ou implicitamente - de um padrão de justiça que não depende da atmosfera do momento, dos políticos ou sequer da legislação do momento. O direito positivo não é sinónimo de bem ou verdade.
Eis, portanto, a lição de história: a modernidade matou milhões através do comunismo e fascismo, as vanguardas modernas, porque libertou os políticos de qualquer travão moral, porque libertou a política de qualquer transcendência independente da imanência humana, porque destruiu o padrão de justiça universal que impõe os direitos inalienáveis do indivíduo, os direitos que não dependem da vontade do poder político. Este padrão universal pode ser apelidado de Direito Natural, sim senhor, mas isso é só uma forma de evitar a palavra proibida: Deus.
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